Atirem-me um bocado de carne que eu vou atrás. A sério. Experimentem. Hoje vasculhei caixotes do lixo à procura de alguma alegria que me pudesse saciar a fome que tenho. Mas continuo com o estômago colado às costas. Vagueio, à chuva, completamente encharcada. E nem assim consigo sentir o que quer que seja. Todas as caras que passam por mim lançam-me um olhar piedoso. Uns têm pena e queriam levar-me para casa, mas outros pensam que a morte seria o meu alívio. Alguns, os que sentem o coração no sítio certo, ainda me dão alguma coisa para enganar a fome. Mas não é suficiente. Nunca é. Não podias antes levar-me para casa? Aposto que tens uma lareira quentinha, um coração cheio de amor para dar e desejas alguém que te seja fiel. Prometo que não dou cabo dos sapatos nem faço xixi no chão. A sério. Já vadiei o suficiente, já me satisfiz com o que encontrei em ruas duvidosas, já passei frio, já senti a chuva na cara e no corpo, já me senti livre para aceitar festas na cabeça de quem passava por mim, já dormi sozinha em becos escuros, já tive medo e tive de fugir, já me deram guarida por algumas noites e já me enxotaram. Mas já chega. Não quero mais. Tenho fome. E não é de comida. E juro que hoje me sinto como um cão abandonado.
(se não vos toquei no coração, pelo menos pensem neles (os animais abandonados) por ser Natal, vá)
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