Andava ele a passear-se no shopping. Não estava sozinho. Diz ela que quando a viu só lhe faltou enfiar-se no primeiro buraco que lhe aparecesse. Continuou as suas compras de Natal, meio comprometido, com a companhia feminina que escolheu para o devido efeito. Mas, quando a noite cai e não há pessoas, lugares e barulho, pergunta-me se se pode enfiar na minha cama. Assim, sem tirar nem pôr. Se tenho pena? Tenho. De quem anda com ele durante o dia, como se ele fosse um cão-guia, de tal forma é a cegueira. Se me dói? Dói. E muito. Dói-me o tanto que sei e o tão pouco que percebo. Dói-me ver ao ponto a que as coisas chegam. Não por mim. Mas por quem assiste de mão dada ao concerto e finge não ver a sequência de mensagens. Por quem provavelmente acabou de abrir as pernas, e quando se volta para o outro lado ignora a mensagem que eu recebo no telemóvel. As palavras, explícitas, letra por letra. Escritas com os dedos que nem há 10 minutos percorreram outro corpo. Viver na ignorância é viver feliz. E nos últimos meses espetaram-me a enciclopédia à frente dos olhos e obrigaram-me a ler. Do princípio ao fim. E, à medida que ia lendo, percebi que além de cegos, surdos e mudos, gostamos mesmo de o ser.
[Photo: Gisele Bundchen by Carter Smith]
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